Luciano publicado pelo Ministério da Educação em 2006.
O que precisamos saber sobre os povos indígenas:
-896 mil
indígenas hoje. 0,4% da população do Brasil.
-305
etnias e 274 línguas faladas.
-A partir do contato, as
culturas dos povos indígenas sofreram profundas modificações.
-Falar hoje de índios no
Brasil significa falar de uma diversidade de povos, habitantes originários das terras
conhecidas na atualidade como continente americano.
- Mas esta denominação é o
resultado de um mero erro náutico. O navegador italiano Cristóvão Colombo, em
nome da Coroa Espanhola, empreendeu uma viagem em 1492 partindo da Espanha rumo
às Índias, na época uma região da Ásia. Castigada por fortes tempestades, a
frota ficou à deriva por muitos dias até alcançar uma região continental que
Colombo imaginou que fossem as Índias, mas que na verdade era o atual
continente americano. Foi assim que os habitantes encontrados nesse novo
continente receberam o apelido genérico de “índios” ou “indígenas” que até hoje
conservam. Deste modo, não existe nenhum povo, tribo ou clã com a denominação
de índio. Na verdade, cada “índio” pertence a um povo, a uma etnia identificada
por uma denominação própria, ou seja, a autodenominação, como o Guarani, o
Yanomami etc.
- os índios devem ser
entendidos como sujeitos de direitos e,
portanto, de cidadania. E não se trata de cidadania comum, única e genérica,
mas daquela que se baseia em direitos específicos, resultando em uma cidadania
diferenciada, ou melhor, plural. Aqui os povos indígenas ganharam o direito de
continuar perpetuando seus modos próprios de vida, suas culturas, suas civilizações,
seus valores,garantindo igualmente o direito de acesso a outras culturas, às
tecnologias e aos valores do mundo como um todo.
- é concedido a eles o
direito de terra coletiva suficiente para a sua reprodução física, cultural e
espiritual, e de educação escolar diferenciada baseada nos seus próprios
processos de ensino-aprendizagem e produção, reprodução e distribuição de
conhecimentos.
- Os tipos e as condições
em que as relações acontecem com o meio natural e sobrenatural também influenciam
a qualidade de vida. Povos que vivem em terras mais extensas e abundantes em
recursos naturais têm a possibilidade de uma vida mais rica, baseada em valores
como a solidariedade, a reciprocidade e a generosidade. Ao passo que os povos
que ocupam terras
reduzidas e com recursos naturais escassos vivem conflitos internos maiores, o
que dificulta muitas vezes as práticas tradicionais de reciprocidade e o
espírito comunitário e coletivo.
- Os índios conservam
suas línguas, suas experiências e sua relação com a natureza e com a sociedade.
Eles mantêm a tradição oral e os rituais como manifestação artística e maneira
de vinculação com a natureza e o sobrenatural. Mantêm o papel socializador e educador
da família, aplicam os sábios conhecimentos milenares e praticam o respeito à natureza.
Com isso, as culturas indígenas seguem manifestando sua personalidade coletiva
e de alteridade, seja no trabalho ou na festa, e por isso são democráticas e
populares.
- A demarcação das terras
onde vivem e a proteção ao meio ambiente são indispensáveis para garantir sua
sobrevivência física e cultural.
- Uma aldeia indígena é
uma organização tradicional. Nela, os líderes exercem suas funções de acordo
com as orientações das tradições herdadas dos seus ancestrais. O posto de
cacique é geralmente herdado de pai para filho entre os pertencentes a clãs ou
a linhagens superiores, ou de uma combinação entre estes e seus afins, ou aliados
políticos ou econômicos. Os conselheiros e os auxiliares do cacique também devem
ocupar um lugar na lógica da estrutura social do grupo. Tal estrutura segue uma
orientação cosmológica constituída desde a criação do mundo, expressa nos mitos
de origem e reproduzida e revivida por meio dos ritos e cerimônias. A
organização cosmológica orienta a vida social, política e espiritual dos indivíduos
e grupos, na medida em que define quais são os valores a serem observados e as consequências
que podem gerar quando não são obedecidos.
-Na atualidade, a principal
dificuldade dos povos indígenas é manter e garantir os direitos já adquiridos,
além de lutar por outros direitos que ainda precisam ser conquistados para consolidar
a perspectiva étnica de futuro, enterrando de vez a ameaça de extinção desses
povos. Na cabeça de muitas pessoas no Brasil, os povos indígenas ainda são
vistos como seres transitórios, que algum dia deixarão de existir, seja por meio
de processos naturais ou induzidos pelas políticas de intervenção.
- No entanto, os povos
indígenas constituem parte importante da própria construção da nação brasileira
e por isso carregam sentimentos de brasilidade iguais aos de quaisquer outras
sociedades, segmentos e indivíduos que constituem o Estado, independente de culturas,
valores, símbolos e línguas que abraçam. Além disso, por serem um dos pilares
socioculturais de
formação da identidade da nação brasileira, devem igualmente usufruir dos
direitos e dos deveres de todo cidadão brasileiro, sem que isto signifique abrir
mão de seus modos próprios de vida.
- Os povos indígenas têm
conservado a visão comunitária e sagrada da natureza. Por isso, as montanhas, os
lagos, os rios, as pedras, as florestas, os animais e as árvores têm um alto
significado. Os acidentes geográficos e os fenômenos naturais são
personificados e foram criadas em torno deles narrativas orais e escritas. O
território indígena é sempre a referência à ancestralidade e a toda a formação
cósmica do universo e da humanidade.
É nele que se encontram
presentes e atuantes os heróis indígenas, vivos ou mortos.
- Terra e território para
os índios não significam apenas o espaço físico e geográfico, mas sim toda a
simbologia cosmológica que carrega como espaço primordial do mundo humano e do
mundo dos deuses que povoam a natureza.
-O processo de
reconhecimento e regularização de terras indígenas no Brasil é repleto de
complexidade política, técnica, administrativa e jurídica. A Constituição
Federal de 1988, atualmente em vigor, reconhece explicitamente aos povos indígenas
o direito originário de
posse e uso exclusivo de
suas terras tradicionalmente ocupadas. Isto quer dizer que no Brasil os povos
indígenas não podem adquirir o direito de propriedade de suas terras, que são
bens e patrimônios da União, mas lhes são garantidos a posse e o usufruto
exclusivo.
Destacamos que, embora
esse direito originário de posse e uso sobre as terras tradicionais seja
reconhecido na Letra da Lei, garantir de fato tal direito não é uma tarefa
fácil e simples. Há casos em que processos de regularização de terras indígenas
já duram mais de um século
ou simplesmente nunca são
concluídos. O principal problema não é o procedimento administrativo em si, mas
o jogo de forças políticas e econômicas que envolve.
-O salto histórico
possibilitado pela Constituição Federal de 1988 ocasionou uma revolução na
concepção e na prática do bilingüismo no Brasil. Antes, quem era bilíngüe
porque falava a língua portuguesa e a língua indígena não podia ser índio, pois
para ser índio teria que falar apenas a língua indígena. Hoje, o cidadão índio
é, em muitos casos, plurilíngüe. Na longa história colonial, aprender a falar o
português significava esquecer a língua indígena, assim como aprender a escrita
objetivava acabar com a oralidade. Atualmente, os povos indígenas realizam uma
inversão dessa história: a língua estrangeira – o português – é considerada uma
língua a mais e a escrita é expressão da oralidade, sem que isso tenha
diminuído o sentimento de pertencimento à identidade nacional, do qual
manifestamente se orgulham.
- Entre os séculos XVI e
XVIII, é praticamente impossível separar a atividade escolar do projeto de
catequese missionária.
-O estado de saúde e
doença para os povos indígenas, em seu principal aspecto, é o resultado do tipo
de relaçãoindividual e coletiva que se estabelece com as demais pessoas e com a
natureza. Para os povos indígenas existem duas maneiras de se contrair doença:
por provocação de pessoas (feitas) e por provocação da natureza (reação). Isto
é muito importante, porque para os povos indígenas não existe doença natural,
biológica ou hereditária. Ela é sempre adquirida, provocada e merecida moral e
espiritualmente. A saúde sim é natural,pois é a própria vida, uma dádiva da
natureza, mas cuja manutenção
depende de permanente
vigilância e cuidado contra os espíritos maus da natureza. A doença, portanto,
é o resultado da luta interna da natureza entre os espíritos “bons” e os
espíritos “maus”.
- Antes da chegada dos
portugueses, e com a eles a medicina científica, seus remédios e tratamentos
eram mais eficientes, pois conheciam as doenças que os acometiam. Os colonizadores
trouxeram com eles outras doenças das quais os índios não tinham noção e não
podiam curar – aliás, muitas dessas doenças trazidas nem mesmo os europeus sabiam
ou sabem curar até hoje.